Um estranho num bar

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O barulho dos freios do trilho do Metrô me fez despertar assustado naquele vagão cheio. Horário de pico, muitas pessoas com expressões cansadas de cotidiano, com aquele rosto de dia a dia. Havia calor, humano, calor humano. Tinha dormido pouco, o que me fazia ter esses instantes de sono em locais públicos e, remotamente, até no trabalho. Tinha dormido não mais de cinco horas naquela noite, minha mania de super-homem quer fazer tudo no mesmo dia, então tinha dias cheios, que às vezes dava ansiedade e taquicardia só de lembrar o que vem pela frente.

Saindo do subterrâneo e indo para a rua, meus olhos, viciados e hipnotizados pelo desejo, começaram a procurar um lugar por onde pudesse encontrar café quente. Sentia aquele cheiro dos grãos fresquinhos com uma memória olfativa que beirava à alucinação. A sorte de um viciado em cafeína numa grande cidade é que opções nunca lhe faltam. Não interessa onde, numa xícara, naqueles copinhos americanos ou até mesmo nos bons e amigos copos de plásticos, que são mais clássicos, eles sempre estavam por lá.

Puro! Disse eu ao tio sorridente que servia para mim um farto copinho americano de café esfumaçante, na sequência, chegou um sujeito e pediu um pingado que veio junto com meu café. Era um senhor bem vestido, daqueles vovôs que sempre mantém o luxo da vaidade nas roupas distintamente sociais e com suas cãs descoloradas milimetricamente penteadas para trás.

Começou a puxar papo, comentando alguma reportagem que passava na televisão do bar, no qual eu nem havia reparado que existia. Tentando esconder meu embaraço, me esforcei para entender do que se tratava a reportagem, era a imagem de um cavalo ferido. Educadamente retruquei, “não estava prestando atenção, do que eles estão falando?” O senhor explicou que aquele cavalo havia caído num buraco e estavam tentando resgatá-lo, depois olhou para mim e me chamou pelo meu nome e disse que “estavam de olho” em mim. A avaliar pela expressão do rosto do senhor, parecia óbvio que eu estava pálido de susto com aquele inesperado fato. Ele logo tratou de se desculpar, até de um modo engraçado, repetindo diversas vezes desculpas e que não queria me assustar com aquilo, pois isso não era nada ruim.

Nada explicava o fato daquele desconhecido saber meu nome, seu rosto não me vinha à memória, além do que, “estavam” no plural não foi muito confortador. Ele se sentou mais próximo e disse que esta conversa precisava ser mais reservada. Disse que trabalhava para uns caras que “não são daqui, que são de bem longe, mas vez ou outra eles contratam pessoas aqui do planeta Terra” e estavam de olho em mim. Eu estava atônico olhando sem piscar para o senhor enquanto ele tentava se mostrar simpático e me confortar, dizendo, “espera aí, sou humano também, de carne e osso igual você, só trabalho para eles, parceiro!” Tudo bem. Se eu bem entendi eu estava sendo recrutado para trabalhar em outro planeta. Não sei por que, mas acreditei naquilo sem relutância, sem senso crítico, e me interessei querendo saber mais daquele senhor, inclusive o que ele fazia.

Ele falava olhando para os lados, como se estivessem nos vigiando e parecia ter medo de ser visto. “Você está no caminho certo” disse enfim, e depois de uma pausa para um gole em seu pingado, disse que “muitas coisas não podem e nem devem ser ditas ali, porque as palavras podem criar pseudo-realidades que aprisionam”. Perguntei o que eu deveria fazer então para saber mais informações. Ele repetiu que eu estava no caminho certo e sorriu simpaticamente, terminou seu copo de pingado, ajeitou seu paletó antigo com cheiro de brechó e ao sair se aproximou e disse em meu ouvido, “enlouqueça e eles virão buscar você”. Depois disso, saiu andando e não olhou para trás até sumir de meu campo de visão e quando pedi a conta, ainda tive que pagar o pingado do senhor.

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